por Roberto Pereira / 1 de dezembro de 2020

”É necessário sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.” José Saramago

Uma ilha é uma extensão de terra, cercada por água em toda sua periferia, distante e isolada do continente. A frase de Saramago sugere uma imagem similar. Nela, indivíduos insulares, cada qual enquanto ilha, já isolados mesmo antes da pandemia, cercados por compromissos, metas a serem cumpridas, demandas a serem satisfeitas e uma falsa sensação de que se está no controle. Nessa condição nos perdemos de vista, passamos a ser estranhos de nós mesmos. Saramago, quando diz que é preciso sair de nós, sugere um caminho que não é simples ou óbvio. Pois, ver aquilo que nos fez e nos faz ser o que somos e todas as possibilidades de mudança que isso implica, pressupõe sair de si para ver de fora. Mas diferente de uma ilha isolada, esse caminho não se trilha sozinho, ele depende do olhar de um outro. Esse processo de tomada de consciência, conforme indicado na origem da palavra em latim com-sciencia que significa co-conhecimento, ou seja, ”conhecendo com outros”, aponta o equívoco do senso comum que coloca a necessidade do isolamento para se atingir o autoconhecimento. Muito pelo contrário, o autoconhecimento só pode ocorrer na interação social. E aqui a figura do psicólogo, enquanto outro, enquanto escuta qualificada, treinada para não julgar e não impor valores, se apresenta como um continente de perspectivas, cujo autoconhecimento produzido na relação clínica nos coloca em melhor condição de prever e controlar nosso próprio comportamento, posto que passamos a ver que o mesmo é produto de contingências, de relações historicamente localizadas e determinadas em condições singulares de mundo. Passamos a nos ver e entender que o que existe e se apresenta em nosso modo de ser e agir não é necessário, nem certo ou errado, bem ou mal, mas segue uma lógica funcional e contextual em que foi adquirida, reforçada e mantida, logo, também passível de mudanças.

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